SÍNTESE DA HISTÓRIA DA LOJA MAÇÔNICA COMÉRCIO E ARTES Nº 0001
No início do século XVIII, com o desenvolvimento econômico e intelectual da colônia, influenciados pela independência das colônias inglesas da America do Norte e, posteriormente, pelo movimento popular que culminou com a queda da Bastilha, alguns grupos pensaram na Independência Política do Brasil, de forma que os brasileiros pudessem decidir sobre seu próprio destino. Ocorreram, então, a Inconfidência Mineira (1789) que marcou a história pelo caráter de seus seguidores; depois a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817), todas elas duramente reprimidas pelas autoridades portuguesas. Em todos estes movimentos a Maçonaria se fez presente através das Lojas Maçônicas e Sociedades Secretas já existentes, de caráter maçônico tais como: “Cavaleiros da Luz”, na Bahia e “Areópago de Itambé”, na divisa da Paraíba e Pernambuco, bem como pelas ações individuais ou de grupos de Maçons. Foi com esse ideal de liberdade, claramente manifestado em carta dirigida ao irmão, a partir de Portugal, por aquele que viria a ser conhecido como “Arquiteto da Independência”, Joaquim Gonçalves Ledo, que a semente germinadora da Loja Comercio e Artes foi lançada. Merece destaque um trecho da carta, reproduzido a seguir, em que deixa claras suas intenções: “…A invasão do General Junot, a partida do Rei e da Corte para o Rio de Janeiro, o tratado de Fontainebleau, os acontecimentos que ora se desenrolam na Europa são, e ninguém o negará de boa fé, o início, senão o grande passo da nossa formação nacional, da liberdade do Brasil. Brasileiro, não seguirei os Batalhões Portugueses, nem derramarei meu sangue na defesa dos opressores de minha terra de nascimento, o amado Brasil. Dizem-me fraco e pusilânime, ignorantes que são todos dos meus intuitos não proclamados abertamente. Se o Rei de Portugal, se a nobreza de Portugal, abandonaram o berço que os embalou, não serei eu, nascido no Brasil, odiando os matadores de Tiradentes, que iria para o campo de batalha lutar pela liberdade dos déspotas que sugaram e ainda sugam as riquezas brasileiras. Partirei daqui brevemente e acompanhado de mais amigos irei organizar no Brasil a primeira Loja que será o centro da propaganda liberal do Brasil…”
Assim, em 1815, na casa de João José Vahia, à rua Pedreira da Glória, no Rio de Janeiro, era fundada a Loja Comércio e Artes. Entretanto, após o fracasso da Revolução Pernambucana de 1817 e a expedição do alvará de 30 de março de 1818, que proibia o funcionamento das sociedades secretas, a Loja interrompeu seus trabalhos, só sendo reerguida a 24 de junho de 1821, com o título de “Comércio e Artes na Idade d’Ouro”; sob os auspícios do Grande Oriente de Portugal.
Segundo Teixeira Pinto, a reinstalação da Loja “Comércio e Artes’ se deu após um jantar na casa do Capitão-de-Mar-e-Guerra José Domingos de Ataíde Moncorvo, na Rua do Fogo (atual Rua dos Andradas), entre a Rua das Violas (atual Teófilo Otoni) e Rua Estreita de São Joaquim (atual Marechal Floriano), no Rio de Janeiro.
Da analise desta Ata constatamos que:
– a Loja fora instalada em novembro de 1815, sem precisão de data, mas as perseguições a obrigaram a abater colunas, tendo sido queimadas suas atas; Na reinstalação, em 1821, apenas seis anos depois, já não havia a lembrança da mais importante data da sua breve vida – dia da fundação, – que certamente teria constado em ata, se recordado fosse;
– a reinstalação se deu em 24 de junho de 1821, data cultuada pela Maçonaria, a mesma em que se instalou a Grande Loja de Londres em 1717, Dia de São João;
– curiosamente, em época de tantas perseguições, os nomes dos fundadores de 1815 aparecem por extenso, não com os nomes simbólicos típicos do Rito Adonhiramita que se tem como certo fosse o usado na loja, na época;
– nem Diderot nem Pitágoras (Gonçalves Ledo e José Bonifácio) participaram desses dois momentos históricos, conquanto Gonçalves Ledo, em breve, chegaria a Venerável desta Loja.
A propósito da atuação de Gonçalves Ledo nesta Loja, é oportuno registrar o trecho da Ata publicada nas páginas 23 e 24 do livro “Casos de Maçonaria”, do Irmão Pedro Henrique Lopes Casals e nas páginas 116 e 117 do livro “História Geral da Maçonaria”, do Irmão Nicola Aslan: “Aos vinte e cinco dias do segundo mês do ano da V:. L:. de 5822” – já aqui usando um calendário maçônico (Quarta-feira, 15/05/1822 da E:. V:. sob a presidência do Ir:. GRACCO – Cap João Mendes Viana), o Ir:. DIDEROT (Joaquim Gonçalves Ledo) propôs “nomear uma Comissão de sete membros, destinada a redigir a Constituição Brasílica Maçônica, para reger o Gr:. Or:. e Maç:. Brasiliense” – este é o primeiro registro da intenção de se fundar a nova Obediência. Dava assim mais um passo no cumprimento das promessas feitas ao seu irmão Custódio, na carta já mencionada de 1808, em que dizia “…irei organizar no Brasil a primeira Loja que será o centro da propaganda liberal do Brasil.” Na mesma sessão, ele ainda propôs “se decorarem as CCol:. com GGr:. Maiores e darem-se estes por comunicação”, o que pode ser uma indicação da mudança pretendida do Rito Adonhiramita para o Francês ou Moderno, que será, como veremos, o rito adotado pelo Grande Oriente Brasílico (que Ledo chamou aqui de “Brasiliense”), e onde o grau dado “por comunicação” significa a dispensa de uma cerimônia ritualística específica, talvez pelo desconhecimento ou falta dos rituais necessários, o que é mais plausível. Por fim, em uma indicação do uso político que iria fazer das honrarias maçônicas (os “aumentos de salário”), propôs “que na escolha dos indivíduos que houverem de ser elevados, se deverá atender às virtudes e fervor maçônicos, e não à “antigüidade”.
Essa “virtude” e esse “fervor”, não eram propriamente maçônicos, mas “patrióticos” – assim entendidos os atos em prol da independência do Brasil. Com essa proposta sobre as “honrarias” foi plantada a semente, insuspeitada, da eleição de José Bonifácio ao Grão Mestrado, tempos depois, para a consecução do objetivo maior que foi a iniciação e rápida exaltação de D. Pedro, logo conduzido ao mesmo cargo em golpe realmente de “Mestre”. Todas as proposições foram aprovadas – segundo Nicola Aslan, pela unanimidade dos 128 maçons presentes. Estava, assim, lançada a pedra fundamental do Grande Oriente do Brasil, e, por extensão da Independência. Enquanto isso, os portugueses cansados da dominação e da decadência econômica do país, iniciam uma revolução na cidade do Porto culminando com a expulsão dos ingleses. Estabelecem um governo temporário, adotam uma Constituição Provisória e impõem sérias exigências a D. João (agora com o título de rei e o nome de D. João VI). Entre as exigências destacavam-se as seguintes: aceitação da constituinte elaborada pelas cortes e sua volta imediata para Portugal. Com receio de perder o trono e sem alternativas, D. João VI regressa a Lisboa (Portugal) em 26 de abril de 1821, deixando como Príncipe Herdeiro, nomeado Regente do Brasil pelo Decreto de 22 de abril de 1821, o primogênito com então 21 anos de idade – PEDRO DE ALCÂNTARA FRANCISCO ANTÔNIO JOÃO CARLOS XAVIER DE PAULA MIGUEL RAFAEL JOAQUIM JOSÉ GONZAGA PASCOAL CIPRIANO SERAFIM DE BRAGANÇA BURBON. O Príncipe Dom Pedro, jovem e voluntarioso, aqui permanece, não sozinho, pois logo se viu envolvido por todos os lados de homens idealistas, a maioria maçons, que constituíam a elite pensante e econômica da Época. Enquanto isso, as cortes de Portugal estavam preocupadas com as perdas das riquezas naturais do Brasil, e previam a sua emancipação, como ocorria em outros países sul-americanos. Dois Decretos de 29 de setembro de 1821, de números 124 e 125 emanados das Cortes Gerais portuguesas, são editados na tentativa de submeter e inibir os movimentos no Brasil. Um reduzia o Brasil da posição de Reino Unido à antiga condição de colônia, com a dissolução da união brasílico-lusa, o que seria um retrocesso; o outro considerando a permanência de D. Pedro desnecessária em nossa terra, decreta a sua volta imediata. Diante desses acontecimentos, a maçonaria mais uma vez se fez presente, e com extrema habilidade se aproximou de D. Pedro com o intuito de convencê-lo a permanecer no país em desobediência aos decretos supracitados. Esse movimento foi liderado pelos maçons José Joaquim da Rocha e José Clemente Pereira e com a representação de diversas províncias ao príncipe. A representação dos paulistas, de 24 de dezembro de 1821, foi redigida de forma enérgica pelo Maçom José Bonifácio de Andrada e Silva. A representação dos fluminenses foi redigida pelo frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, orador da Loja Comércio e Artes e em cuja cela, no convento de Santo Antonio, reuniam-se os principais líderes do movimento. Assim, em 9 de janeiro de 1822, na sala do trono e interpretando o pensamento geral, traduzidos nos manifestos dos fluminenses e dos paulistas e no trabalho de aliciamento dos mineiros, José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara, antes de ler a representação, pronunciou inflamado e contundente discurso pedindo que o Príncipe Regente permanecesse no Brasil. Após ouvir atentamente, o Príncipe responde: “estou pronto, diga ao povo que fico”. A alusão às hostes maçônicas era explicita e D. Pedro conheceu-lhe a força e a influência, entendendo o recado e permanecendo no Brasil. Este episódio, conhecido como o Dia do Fico, marcou a primeira adesão pública de D. Pedro a uma causa brasileira. Dando continuidade ao processo da independência, em 13 de maio de 1822, os maçons fluminenses, sob a liderança de Gonçalves Ledo e por proposta do brigadeiro Domingos Alves Munis Barreto, resolviam outorgar ao Príncipe Regente o título de “ Defensor Perpétuo do Brasil” , oferecido pela Maçonaria e pelo Senado. Ainda, em maio de 1822, aconselhado pelo então seu primeiro ministro das pastas do Reino e de Estrangeiros, José Bonifácio, D. Pedro assina o Decreto do cumpra-se, segundo o qual só vigorariam no Brasil as Leis das Cortes portuguesas que recebessem o cumpra-se do príncipe regente. Em 2 de junho de 1822, em audiência com D. Pedro, o Irmão José Clemente Pereira leu o discurso redigido pelos Maçons Joaquim Gonçalves Ledo e Januário Barbosa, que explanavam a necessidade de uma Constituinte. D. Pedro comunica a D. João VI que o Brasil deveria ter suas Cortes. Desta forma, convoca a Assembléia Constituinte para elaborar uma Constituição mais adequada ao Brasil. Era outro passo importante em direção à independência. Foi dentro deste contexto, em 17 de junho de 1822, que a Loja “Comércio e Artes na Idade do Ouro” em sessão memorável, resolve criar o “Grande Oriente Brasílico ou Brasiliano”, que depois viria a ser denominado de “Grande Oriente do Brasil”, e para que essa iniciativa tivesse respaldo legal, foram criadas mais duas lojas pelo desdobramento de seu quadro de obreiros, através de sorteio, surgindo assim as Lojas “União e Tranquilidade” e “Esperança de Nictheroy”, se constituindo nas três Lojas Metropolitanas, conforme consta na ata da referida sessão. José Bonifácio de Andrada e Silva é eleito o primeiro Grão-Mestre, tendo Joaquim Gonçalves Ledo como 1º Grande Vigilante e o Padre Januário da Cunha Barbosa como Grande Orador. Vale ressaltar, que a história da nossa Independência está intimamente ligada com a fundação do Grande Oriente do Brasil, tanto que o objetivo principal da sua criação, foi de engajar a Maçonaria como Instituição, na luta pela independência Política do Brasil, conforme consta de forma explícita das atas das primeiras reuniões, onde só se admitia para iniciação e filiação em suas Lojas, pessoas que se comprometessem com o ideal da Independência do Brasil. E dentro deste contexto foi fundamental o papel da Loja Comércio e Artes. Em 2 de agosto de 1822, por proposta de José Bonifácio, é Iniciado o Príncipe Regente, D. Pedro, adotando o nome histórico de Guatimozim (ultimo imperador Asteca morto em 1522), e passa a fazer parte do Quadro de Obreiros da Loja “Comércio e Artes”. Já no dia 5 de agosto, por proposta de Gonçalves Ledo, que ocupava a presidência dos trabalhos, foi aprovada a Exaltação ao Grau de Mestre Maçom. A discórdia entre Gonçalves Ledo e José Bonifácio parece ter sido o fator determinante para a efêmera existência do Grande Oriente Brasílico – pouco mais de quatro meses. Além de ter prejudicado consideravelmente os registros oficiais da Ordem, quando Atas foram queimadas, livros desapareceram e muitos outros desmontes ocorreram dificultando sobremaneira o trabalho dos historiadores atuais, que em busca da verdade, e não encontrando documentos confiáveis, terminam divergindo entre si, principalmente em se tratando de datas. Outra conseqüência, não menos grave dessa rivalidade, era sem dúvida a coação sofrida pelo Príncipe Regente, tendo que tomar decisões apoiado por opiniões contraditórias. Tudo isto leva a crer terem sido estes os principais motivos que fizeram D. Pedro I suspender os trabalhos do Grande Oriente do Brasil, fazendo tal comunicação através de um bilhete enviado ao 1º Gr:. Vig:., datado de 21 de outubro de 1822. Com o fechamento do Grande Oriente, por seu segundo Grão-Mestre, D. Pedro I, a 25 de outubro de 1822, a Maçonaria brasileira entrou em longo período de adormecimento, só ressurgindo em 1830, com a fundação do Grande Oriente Nacional Brasileiro, que ficou conhecido como Grande Oriente da rua de Santo Antônio e, depois, como Grande Oriente da rua do Passeio, ou, simplesmente, “do Passeio”, em alusão às ruas em que se instalou. E já no mesmo ano da criação do Grande Oriente do Passeio, a “Comércio e Artes” era reerguida e filiada a ele. Quando, todavia, foi reinstalado o Grande Oriente do Brasil, a Loja filiou-se a ele, como fundadora. Em 1833, ela abandonou o Grande Oriente do Brasil e voltou ao Grande Oriente do Passeio, adotando o Rito Escocês Antigo e Aceito e vindo a desaparecer na época de decadência do Passeio, cerca de vinte anos depois.
Há registro de mais duas reinstalações, por causa de dissidências: em 1863, a Loja foi fundadora do Grande Oriente da rua dos Beneditinos, dissidência liderada por Joaquim Marinho, e só voltou ao GOB quando esse Grande Oriente foi absorvido, em 1883, fundindo-se, então, com a outra; e em março de 1948, quando a Loja saiu para ser fundadora do Grande Oriente Unido, retornando quando este foi absorvido pelo GOB, em 1956, fundindo-se com aquela que havia sido criada para substituí-la. Desta forma, apesar de todas as divergências dos nossos IIr:. do passado, temos que admitir que suas atuações, sempre foram direcionadas na busca de manter esta Loja ativa, atuante e ocupando um lugar de destaque dentro da Maçonaria brasileira.